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Retomada Pós-Covid 19 Webinar de Economia e Negócios-CEA-PUCCAMP

Sobre o último relatório do Imperial College

Sobre o último relatório do Imperial College tratando do Brasil

 

O estudo foi feito considerando número de mortes, número de infecções e usou os dados de mobilidade do Google ( https://www.google.com/covid19/mobility/).

Antes de tudo, tratam-se de estimativas feitas por um “modelo” e, ‘modelos’ não são retratos fiéis da realidade e, sim, aproximações que auxiliam na tomada de decisões, sobretudo, em políticas públicas.

Aqueles que desprezam a ciência e evidências empíricas, insistindo ainda em repetir  o senso comum de alguns debatedores papagaios de TV, a leitura não é recomendada.

Pontos importantes:

1. O número básico que, em média, uma pessoa pode transmitir para outras pessoas é estimado pelo chamado Fator de Propagação ou Número de Reprodução e é expresso por “R0”.

Este número está sujeito à mudanças e, efetivamente, passa a ser expresso como “Rt” onde ‘t’ indica, em média, o número de transmissões potenciais.

Mas o que importa é:

-Se Rt for maior que 1, significa que a doença ainda cresce de forma exponencial, propagando-se mais rapidamente. Ex: Se R2, uma pessoa passa a doença para 2 que, por sua vez, passará para mais duas e, assim por diante.

-Se Rt for menor que 1, significa que a propagação será mais lenta e a doença tende a desaparecer. No Brasil, no início da pandemia, cada indivíduo, em média, transmitia para 3 ou 4 pessoas. Portanto, R3 ou R4.

2. Fortes reduções ocorreram após algumas medidas, dentre elas, as de distanciamento social, conforme gráfico para o estado de SP.

Mas, apesar disso, na tabela vê-se que nenhum estado o Rt igualou ou está abaixo de ‘1’.

O que indica que as medidas sociais reduziram o Rt, mas não atingiram os níveis necessários para mudar o padrão epidêmico.

3. No estado de SP o Rt é de aproximadamente 1,47

4. É baixa a proporção de infectados até o momento, o que eles chamam ‘taxa de ataque’ (attack rate), e mostra que ainda estamos longe da chamada “imunidade de rebanho”, defendida por alguns, e que situa-se em torno de 60-70% da população.

Se o parâmetro de tomada de decisões for este, o de 60-70%, além de inviabilidade dos resultados, nada mais haverá do que forte imprudência, aumento mais rápido de mortes e saturação plena dos sistemas de saúde em estados que ainda resistem.

5. No estado de SP, mesmo com a redução de mobilidade social em farmácias e mercados ficando em 21% não foi atingido o Rt próximo a 1.

Além de outras, algumas conclusões apontam que:

A redução da transmissão depende da redução da mobilidade. Mas não se atingindo o parâmetro necessário ‘1’ e, na ausência de medidas mais eficazes, não há como evitar o crescimento exponencial.

É necessário entender melhor a relação entre a redução da mobilidade social que resulta de  algumas atividades da economia e a velocidade de transmissão do vírus. Nesse aspecto, o poder preditivo do Google Mobility poderá auxiliar em novas tomadas de decisões sobre a flexibilização de algumas atividades.

O estudo está aqui: https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/medicine/mrc-gida/2020-05-08-COVID19-Report-21.pdf

 

Citação

A seita que ameaça arrastar o Brasil para o abismo

COLUNA CARTAS DO RIO

A extensão da irracionalidade é aterrorizante e ameaça arrastar o Brasil para o abismo. Para a sua disseminação, há um motivo: o bolsonarismo. Esse nome se deve a um homem cujo livro favorito foi escrito por um torturador. Por conseguinte, o bolsonarismo tem correspondentes ideias para a sociedade: violentas, autoritárias, sem empatia, anti-intelectuais e pseudorreligiosas.

O bolsonarismo assumiu agora todas as características de uma seita cujos membros estão dispostos a seguir seu líder incondicionalmente, até a morte. Esse culto à morte está se tornando cada vez mais evidente nas manifestações dos bolsonaristas. Um caixão é carregado alegremente; no meio de uma pandemia, expõe-se a si mesmo e a outros ao perigo de um contágio e se grita: “A covid-19 pode vir. Estamos prontos para morrer pelo capitão.”

Como em todos os cultos religiosos, as contradições são ignoradas. O bolsonarista sempre acha que sabe mais que os outros ‒ mesmo que os outros sejam o mundo inteiro. Ele não segue as estrelas da razão e do conhecimento que fizeram a humanidade avançar ao longo dos séculos (apesar dos inúmeros retrocessos). O norte na bússola do bolsonarista é a satisfação de seu ego insultado.

O bolsonarista odeia o conhecimento quando este contradiz sua visão de mundo. Ele é como um motorista que anda na contramão na autoestrada e ouve no rádio que há um motorista na contramão e depois grita: “A mídia mente! Não é um motorista, são milhares!”

Inicialmente, o bolsonarismo negou a existência da covid-19. Tratava-se de uma “fantasia” e uma “invenção da mídia”. Então, a doença se tornou uma “gripezinha” que não poderia afetar “atletas”. Quando ficou claro que a covid-19 poderia muito bem fazer isso, seguiu-se o próximo passo na infalível lógica bolsonarista: cloroquina! Existe um remédio para a cura da covid-19, mas os poderes das trevas não permitem que ele seja usado.

Os mesmos bolsonaristas que há cinco minutos haviam negado a existência da covid-19 se tornaram, de repente, especialistas em curar a doença viral altamente complexa. Infelizmente, seus conhecimentos não podem ser aplicados. E por quê? Porque, segundo eles, os governadores e prefeitos do Brasil teriam concordado em implementar medidas de quarentena e introduzir o comunismo.

É típico: no momento que a situação não transcorre segundo a vontade deles, já que o Brasil é um Estado federalista, os bolsonaristas gritam: “Ditadura!” São como crianças que se jogam no chão gritando no supermercado para que suas mães comprem doces. Evidencia-se também a completa falta de princípios desse movimento. As mesmas pessoas que hoje alertam histericamente sobre uma ditadura defendiam ainda ontem uma ditadura, na qual seu herói disse uma vez ter sido um erro apenas torturar e não matar. O que essas pessoas querem agora?

O bolsonarismo segue uma lógica primitiva, criando sempre opostos simplistas. Isso inclui, por exemplo, achar que saúde e economia são contradições. Segundo essa lógica, os brasileiros deveriam preferir se expor ao risco de infecção para não cair na crise econômica. O bolsonarista parece não estar ciente dos custos econômicos (e sociais) de milhões de pessoas doentes e dezenas de milhares de mortes. Cálculos com mais de duas variáveis não são seu ponto forte.

O bolsonarista segue principalmente um impulso adolescente. Ele quer ser do contra e causar problemas. Ele sempre contradiz o que os adultos estão dizendo, neste caso: o resto do mundo. Ele fica satisfeito quando se opõe à maioria, vendo-se como um herói. E isso lhe dá a justificativa para agir como vítima.

Como todos os movimentos fanáticos, o instinto de autodestruição é inerente ao bolsonarismo. Assim como Hitler acreditava que a Alemanha merecia ser devastada se não conseguisse vencer a guerra, o bolsonarista gostaria de destruir tudo. Não há outra explicação para a sabotagem do presidente e de seus apoiadores contra as autoridades do setor de saúde pública.

Os bolsonaristas acusam a mídia e os governadores de torcer pela disseminação da covid-19. Na realidade, são o presidente e seus apoiadores que estão fazendo de tudo para provocar o desastre sanitário.

Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

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A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube

Salvar empresas e empregos ou salvar investidores ?

No alvorecer da crise financeira de 2008 a sociedade norte-americana presenciou um debate que procurava entender as relações entre desigualdade de renda e o sistema financeiro. A desregulamentação financeira e a cultura (pouco) ética de Wall Street seriam alguns dos fatores por trás do excessivo endividamento de famílias e a aquisição de produtos financeiros “tóxicos’ (subprime mortgages).

O argumento em favor da chamada “democratização do crédito”, nos EUA , era visto como justo e refletia o desejo dos policymakers de atenuar a desigualdade.  Glenn Hubbard (2010), da Universidade de Columbia, principal conselheiro econômico do ex-Presidente Bush, apontou que se os recursos fossem direcionados para outras áreas, como educação, o resultado seria mais eficaz.

Raghuram Rajan (2010), da Universidade de Chicago e ex-economista chefe do FMI, escreveu que o anseio pela captura de votos das famílias norte-americanas de média e baixa renda levou os políticos a pressionarem o governo dos EUA. As políticas de desregulamentação nos mercados de crédito, avalizadas pelo governo, incentivaram os empréstimos hipotecários que resultaram em níveis insustentáveis de endividamento, gerando uma bolha de crédito e, em seguida, crise financeira.

Asseverando que um problema daquela natureza não se resolveria com boas intenções o autor apontava que a politização de um tema sensível à opinião pública ocultava a necessidade de se formular uma política correta de redução da desigualdade de renda, algo que não foi feito.

Daron Acemoglu (2011), do MIT, foi mais além e percebeu que o aumento da desigualdade de renda levava ao aumento das forças políticas entre os segmentos de alta renda. E daí vem que suas altas rendas originam-se, em grande parte, do sistema financeiro. O crescente poder político desse segmento e as influências exercidas sobre os governos em direção à desregulamentação financeira desembocaram no aumento da desigualdade junto à instabilidade financeira.

Na opinião de David Moss, professor de História em Harvard e estudioso da Democracia Norte-Americana, essas análises não são conclusivas e a maioria centrava-se na base da pirâmide, isto é, buscavam explicações nos estratos inferiores de renda.

Assim como Acemoglu, pela ótica de Moss os maiores poderes nas mãos da classe financeira influencia a promoção de políticas que tendem a beneficiá-las, colocando todo o sistema em risco.

Embora o contexto atual seja bem diferente é sempre válido recuperar os dilemas impostos pelas crises e as possíveis soluções. A experiência atual tem apenas mostrado que intervenções de políticas em momentos de crise são necessárias para salvar a economia, mas há quem confunda e acredite que tais políticas, por si mesmas, terão impactos distributivos favorecendo as rendas mais baixas.

No caso do Brasil, o debate acima estabelece alguns parâmetros para analisarmos   algumas das recentes medidas que visam revigorar as ações do Banco Central diante da crise.

Através de uma PEC, uma nova medida regulatória do Conselho Monetário Nacional (CMN) viabilizará a compra e venda pelo Banco Central no mercado secundário de títulos do Tesouro, de crédito privado, além de direitos creditórios. A medida é bem vinda e aproxima o BC do Brasil às práticas já em funcionamento em outros países.

É bom lembrar que no desenrolar da crise de 2008 várias medidas de frouxidão monetária, mais conhecidas como Quantitative Easing  foram adotadas e, dentre elas, o uso de instrumentos não convencionais de política monetária ganhou relevância. Naquele momento, os sistemas financeiros passaram por forte stress, paralisando os fluxos de créditos e interrompendo ciclos robustos de crescimento.

A aquisição pelos BCs de títulos públicos e privados em larga escala, então um instrumento não convencional e novo, foi alvo de muitas controvérsias. Ela tem como objetivo principal influenciar diretamente os preços de ativos e um dos argumentos contrários, à época, era a interferência direta que os BCs teriam sobre o processo de alocação do crédito na economia. Entretanto, o lado favorável é que ao ‘limpar’ as carteiras dos bancos, eliminando seus ativos podres, essa medida visa recompor a liquidez bancária e, assim, evita uma crise sistêmica.

Enfim, as práticas de salvamento do sistema financeiro pelos BCs são comuns e necessárias em momentos de crise como o atual e não podem ser confundidas com favorecimento ao setor.  Ainda que se possa questionar os critérios e métodos nada amigáveis adotados pelos bancos no Brasil, e por mais que os mesmos deitam e rolam com as incivilizadas taxas de juros que aqui são cobradas, não podemos confundir aqueles critérios e métodos com a necessária regularização da liquidez, que deve ocorrer para que a economia volte a funcionar.

E considerando o escandaloso montante de renda que é apropriado pelo setor bancário e financeiro no Brasil o que devemos questionar é:

Como o BC atuará de forma a não permitir o oportunismo do sistema financeiro e a preservação das altas rendas de grandes investidores, controladores e outros beneficiários  ?

Isso porque em uma crise todos perdem e seria injusto quem tem mais não perder ou, então, terem perdas relativamente menores.

No arcabouço montado pelo BC este poderá comprar ou vender títulos privados em mercados secundários, sendo que nessas operações o Tesouro entra no jogo aportando 25% de recursos.

Em geral, funciona assim:

Os títulos do tesouro e títulos privados de renda fixa, como debêntures, além de direitos creditórios, são alguns dos ativos que compõem a carteira dos bancos e outras instituições financeiras e poderão ser comprados pelo BC. Em momentos de crise, os preços desses títulos caem e as taxas aumentam, dificultando a tomada de crédito.

A ação visa dar liquidez a esses títulos, recuperando seus preços e reduzindo taxas.

Então:

    1. Por se tratar de um mecanismo de injeção de liquidez em um sistema altamente capitalizado e rentável, no caso do Brasil, a polêmica surge caso fosse possível a um banco vender títulos ‘podres’ ao BC e não alterar suas políticas de distribuição de dividendos e pagamentos de bônus. Neste caso, o dinheiro ficaria empoçado, ou seja, não seria emprestado às empresas, desvirtuando o programa e, além disso, protegendo o setor rentista.

Isso  não seria desejável porque preservaria grupos de renda mais elevada ao invés de socorrer as empresas que necessitam manter empregos, salários e produção.

Temos aí um caso exemplar do problema de políticas governamentais desviadas em favor da alta renda. Apenas para se ter uma idéia, o quadro abaixo mostra a distribuição de dividendos e juros sobre capital próprio dos 4 maiores bancos em 2019. São 52 bi !

Foto: Imagem Valor Econômico

    1. Esse mesmo raciocínio vale para os fundos de investimento, mas tem uma complicação.  No Brasil há um grande montante de aplicações em fundos, aproximadamente, 7 mi de contas com aplicações em fundos feitas por investidores de renda média e que, ultimamente, estão perdendo e vem retirando seus recursos. Quedas em preços de ativos, típicas de crises financeiras, são acompanhadas de retiradas de recursos. E é nesse sentido que o BC entra em campo para sustentar os preços e evitar a corrida.

Neste caso, a compra de títulos em carteira dos fundos também não seria desejável caso proteja o investidor de alta renda em detrimento da sobrevivência das empresas, mas também não seria desejável que os cotistas de menor renda perdessem. Afinal, eles pertencem a classe média que, além de ser tributada de forma desigual, muitas pessoas desta classe perderiam suas fontes de rendimento durante a crise.

    1. O problema surge, também, no caso das grandes empresas. Uma empresa, por exemplo, sabendo que poderá vender títulos a um banco ou fundo, que também sabem que poderão vendê-los ao BC, receberá o dinheiro e seguirá a mesma política de distribuição de dividendos e, além disso, poderia recomprar as ações.

Em relação ao item “1” a decisão do CMN, de 06/04, é bem acertada. Através dela as instituições financeiras ficam, temporariamente, proibidas de distribuir dividendos acima do mínimo obrigatório, impossibilitando também o pagamento de juros sobre capital próprio e o aumento de remuneração, fixa ou variável, dos administradores desses instituições

A proteção ao pequeno investidor, item “2” é necessária e até o momento não se sabe o que fazer. E ao mesmo tempo também é necessária a elaboração de mecanismos que poderão evitar a captura de rendas na grande empresa, caso os gestores atuassem conforme item “3”. O ideal seria um equilíbrio entre ambos para que o pequeno investidor não seja prejudicado e, ao mesmo tempo, os grandes não saiam vitoriosos, já que isso representa uma ameaça perigosa e exige melhor atenção por parte da sociedade.

A cada dia a crise dá sinais evidentes da gravidade e dos desafios que a estrutura concentrada da renda no país impõem às políticas públicas. Vivemos em um lugar em que  40% são informais (agora já não se sabe), falta saneamento básico e, entre 2015 e 2019 a metade mais pobre perdeu 19% e o 1% mais rico ganhou quase 10% da renda (IPEA), soma-se ainda que temos o título nada invejável de 2o lugar em concentração de renda no mundo (ONU).

É preciso entender que, além das necessárias medidas atenuantes da queda de renda e de proteção aos grupos vulneráveis de pessoas e empresas, nesse  momento conviver com o risco de pressões advindas de grupos e organizações financeiras levará as políticas a outro risco: a perda de funcionalidade das mesmas e a manutenção do status quo de determinados segmentos.

As ações direcionadas no sentido de evitar que a crise atual se transforme em uma crise financeira são corretas. Mas o desafio é executá-las sem que se aprofunde o gap de  renda no país. É aí que surge o dilema: salvar empresas e emprego ou proteger grandes investidores e grupos de alta renda ? A decisão caberá às  políticas e aos políticos.

 

 

Sobre as medidas de alívio financeiro às empresas

É legítima a preocupação com as empresas que, diante da crise e da extensão das medidas de isolamento, terão seu faturamento zerado . E não é verdade que o fim imediato dessas medidas seria capaz de revigorar as condições normais, de uma hora para outra recompondo a demanda, levando os consumidores de volta às ruas e resgatando a economia do buraco em que ela está entrando.

Pois não haveria solução mágica para recuperar o volume de capital, trabalho e outros recursos que serão destruídos, caso a ausência de critérios técnicos e a bravataria superassem o bom senso. Alguns estudos demonstram que os custos de reerguer a economia, se a opção fosse esta, seriam maiores. E, por outro lado, o fato é que a demonstração contrária não existe. 

É por isso que, em tal situação, a única escolha disponível é ‘salvar o sistema de saúde’, para salvar a economia e os empregos, de forma muito bem coordenada com a política econômica. É sobre a eficácia dessa última que deveria haver mais preocupações e não o contrário. 

Um dos problemas que a falta de informação traz é impedir um debate mais próspero, e já existente em alguns países, sobre como se fará a transição gradual combinando o fim do isolamento com o retorno da atividade econômica, porém, para que este retorno seja viável é preciso mais do que está sendo feito. Pois se os efeitos esperados das políticas compensatórias de queda da renda dos grupos e das empresas mais vulneráveis demoram para aparecer, ou aparecem de forma tímida, a roda da economia não gira.

Em relação aos grupos vulneráveis, é preciso que as políticas mantenham seus níveis mínimos de renda para que possam continuar consumindo durante o período em que estão sem trabalho.

E em relação às empresas mais vulneráveis, onde se incluem as micro, pequenas e médias, é preciso que as políticas de crédito e tributária permitam atravessar a fase de interrupção e lenta retomada do faturamento, dando o fôlego necessário para a recomposição do capital de giro e alívio de caixa. Só que a situação em que elas foram pegas de surpresa, além de relações históricas pouco favoráveis com o mercado de crédito levantam muitas, muitas dúvidas sobre a eficácia daquelas políticas. Enfim, é preciso correr para destravar o crédito ! Caso contrário, essas importantes unidades desaparecerão.

As medidas de crédito anunciadas até agora são insuficientes e o risco de que o dinheiro não vai chegar as PME´s da forma esperada é muito alto.

Até o momento as mais importantes foram:

  1. a) aproximadamente 670 bi para ampliação do crédito cujos recursos vem da flexibilização dos requerimentos de capital bancário (não são empréstimos do Tesouro);
  2. b) 40 bi para financiamento da folha de pagamento cabendo ao Tesouro Nacional arcar com 85% do montante para empresas com faturamento anual entre 360 mil até e 10 mi a taxa de juros de 3,75%;
  3. c) Além dessas, outras menos importantes como, por exemplo, linhas de renegociação de capital de giro operadas pelo BNDES, mas que são de baixa atratividade para as pequenas e médias.

Por mais elevado que pareça ser o volume disponível da ação ‘a’ e, também, por mais usual que seja essa prática de Bancos Centrais em momentos de crise, o problema é que, como somos diferentes em tudo, nada garante que esse dinheiro chegará na ponta mais necessitada, as PME´s.

Dado o maior risco dessas empresas, custa acreditar que os bancos, mesmo públicos, darão preferência a elas (https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/03/31/varejo-acusa-banco-de-elevar-juros.ghtml).

Soma-se ainda que o crédito emergencial para folha de pagamento, medida ‘b’, abrange apenas aquelas com faturamento acima de 360 mil. As que ficam abaixo disso, e que não são poucas e incorporam as microempresas, ainda esperam para ver o que virá. E as que tem faturamento acima de 10 mi, as médias, também estão fora.

Tudo indica a necessidade de outras medidas por parte do Bacen e Tesouro que façam o dinheiro chegar até as empresas. A resposta do Bacen sobre tal problema foi que compromete-se a ‘solicitar’ dos bancos justificativa caso eles neguem empréstimos para ‘clientes elegíveis’. Como isso será feito, ninguém falou.

Além do mais, quem é o elegível ? Fala-se em um bom histórico de atrasos (últimos 6 meses) ! Difícil saber quem será o bom ou o ruim e é aí que as coisas não funcionarão como o governo prevê. Pela lógica do capital bancário isso é até compreensível, pois ninguém empresta para perder. Mas pela necessária lógica de salvamento intervencionista do Bacen, falta o que fazer. 

Parece haver pouca importância o fato de que o ano iniciou-se com nada menos de 6 milhões de empresas com contas em atraso, sendo que as micro, pequenas e médias representam aproximadamente 95% do total. São elas que não terão o capital de giro para financiar seus estoques, não terão o dinheiro para despesas fixas, não terão como pagar salários e, muito menos, impostos.

E considerando que estão com suas contas atrasadas é óbvio que, também, não conseguirão acessar o crédito. E nada foi falado sobre isso. De que adianta liberar recursos bancários se os demandantes não poderão usá-los ?

É em defesa dessas unidades econômicas, que geram empregos e garantem o giro do dinheiro na economia, que deveria haver maior preocupação quanto à eficácia das medidas. Até o momento, falta pressão, faltam ações.

O debate está direcionado somente para uma suposta retomada de vendas que viria caso terminasse o isolamento. A mobilização dos grupos responsáveis dessas empresas e o apoio social seria mais eficaz. Nesse momento, a palavra de representantes de grandes redes ou empresários de grande porte que não têm problemas de liquidez e têm crédito barato não corresponde à dura realidade do grande conjunto das outras empresas.

Soma-se a tais problemas o fato de que o país atravessa um momento em que as taxas de juros atingiram níveis mínimos historicamente. Mas acontece que ainda carregamos problemas estruturais e institucionais que bloqueiam o canal do crédito e impedem que as reduções de taxas atinjam, de forma rápida e ampla, as diversas modalidades que seriam viáveis ao micro, pequeno e médio empresário.

A Selic cai, mas o crédito continua caro. Além disso, o crescimento econômico, que não veio, frustrou as expectativas do ano anterior e dificultou ainda mais a capacidade de financiamento e acesso ao crédito barato. Demora na queda dos juros, baixa atividade e frustração de expectativas com as vendas complicaram ainda mais a situação de inadimplência, desde meados de 2019.

Surpreendentemente, o próprio BACEN já identificou há alguns dias que os bancos cortaram linhas, reduziram prazos e aumentaram as taxas ao tomador final.

Por isso, já passa da hora de acionar outros instrumentos e parar com essa brincadeira acreditando na boa vontade do capital bancário em atender aqueles que, por natureza e porte, oferecem maior risco, como é o caso das pequenas e médias

Em tais condições, é muito difícil imaginar que os bancos irão ampliar da forma desejada o crédito necessário a essas empresas ao ponto de neutralizar os impactos da crise. E é aí que caberia maior pressão social. Pois, sabemos que os padrões de avaliação e critérios dos bancos não mudam.

O problema que o Brasil enfrentará é um caso típico de impotência da política monetária e não significa concluir que não há mais nada a fazer.

Alguns países dispõem de instrumentos para lidar em situações semelhantes, de tal forma que os Bancos Centrais, face à maior liquidez e maior aversão ao risco, podem penalizar os bancos diante da preferência por manter reservas em excesso e baixa oferta de crédito. Depósitos voluntários, taxas de juros diferenciadas são alguns exemplos, além de outros. Por aqui, há propostas tramitando no Congresso nesse sentido, mas nada que seja viável a curtíssimo prazo.

Há também propostas de compra de carteiras de crédito dos bancos pelo Tesouro ou Bacen, garantindo que o dinheiro chegue nas empresas mais necessitadas. Esse tipo de atuação já está ocorrendo em outros países e é preciso agilizar por aqui. Não faltam idéias, falta articulação, agilidade e menos binarismo.

Além disso, é inevitável  discutir formas de ação direta dos bancos públicos, BB, CEF, BNDES. Elas deveriam contemplar alterações dos mecanismos de concessão, políticas exclusivas para os inadimplentes e permitir renegociações mais adequadas à realidade financeira das pequenas e médias empresas.

Se ao invés de soluções propostas, fáceis e impossíveis, sintonizarmos com aquilo que o mundo já está discutindo em termos de políticas compensatórias, os resultados serão mais promissores.

Em alguns países este debate já vem sendo feito e é importante que o Brasil faça as correções de políticas o mais rápido possível para amenizar os problemas e permitir uma recuperação menos dolorosa em termos de emprego e renda.

Os falsos dilemas presentes no trágico momento em que estamos deveriam ceder espaço à uma maior pressão social em favor de maior efetividade das políticas em termos de rapidez, mudanças de critérios e focalização. Com isso, a convivência com um longo período de crise que se inicia poderia ser menos traumática.

REFERÊNCIAS

  1. https://exame.abril.com.br/negocios/mais-de-61-milhoes-de-empresas-estao-com-contas-em-atraso-diz-serasa/
  2. https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br/posts/politicas-que-estao-sendo-adotadas-para-o-combate-ao-covid-19-experiencia-internacional-e-o
  3. https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/03/28/bc-poder-pedir-justificativa-se-bancos-negarem-crdito.ghtml
  4. https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-03/conheca-detalhes-do-auxilio-a-pequenas-e-medias-empresas
  5. https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/26/alta-de-juros-e-queda-de-prazo-para-cliente-ja-ocorre-diz-presidente-do-bc.htm
  6. (https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,bc-quer-autorizacao-do-congresso-para-compra-direta-de-credito-como-fazem-outros-paises,70003250999)
  7. (https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/03/31/varejo-acusa-banco-de-elevar-juros.ghtml).

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